quarta-feira, 31 de março de 2010

TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS: DIMENSÕES JURÍDICAS E ANTROPOLÓGICAS

A Constituição Federal de 1988 busca garantir a proteção e a inclusão dos variados grupos étnicos que compõem a comunhão nacional. Superando o etnocentrismo reconheceu o constituinte as formas de vida das populações tradicionais, impedindo que estas perdessem a sua caracterização, subjugando-se ao modo de vida e cultura da sociedade envolvente.
A ordem constitucional aponta o Estado brasileiro como pluriétnico e multicultural, buscando assegurar aos diversos grupos formadores desta nacionalidade o direito à manutenção de sua cultura, que compreende, consoante o ditado constitucional, seus “modos de criar, fazer e viver” (art. 216, inciso III, CF), e nesta orientação foi instituído o direito das “comunidades de remanescentes de quilombos” à propriedade das terras por elas ocupadas, nos termos do art. 68 do ADCT.
O reconhecimento constitucional do direito das comunidades quilombolas à propriedade definitiva das terras que tradicionalmente ocupam implica inexorável intersecção da antropologia no direito. Os conceitos de comunidade, quilombo e ocupação carecem da análise antropológica para vivificar o comando constitucional.
A noção de território permeia a discussão, trazendo elementos simbólicos não alcançados pela mera exteriorização dos poderes inerentes a propriedade. A compreensão da territorialidade pressupõe um diálogo intercultural que reconheça os processos contínuos de produção de significados e significantes.
A pluralidade cultural implica na possibilidade da pluralidade jurídica e é nesta travessia que se situa a grande questão a ser resolvida pela antropologia jurídica, que, assim, requer uma abordagem para além do estruturalismo.
O conceito de território não é o mesmo para todos os espaços de produção cultural e, para dar conta do desvelamento proposto pelo artigo 68 do ADCT, a antropologia busca elucidar os pressupostos para a reprodução física, social, econômica e cultural, bem como as áreas detentoras de recursos ambientais necessários à preservação dos costumes, tradições e lazer, englobando os espaços de moradia e, inclusive, os espaços destinados aos cultos religiosos e os sítios que contenham reminiscências históricas dos antigos quilombos.
Diante de tais pressupostos, remanescentes das comunidades dos quilombos são os grupos de pessoas que pertençam ou pertenciam a comunidades, que viveram, vivam ou pretendam ter vivido ou viver na condição de integrantes delas como repositório das suas tradições, cultura, língua e valores, historicamente relacionados ou culturalmente ligados ao fenômeno sócio-cultural quilombola. Para a Associação Brasileira de Antropologia, quilombo pode ser definido como "toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura da subsistência e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o passado"; para o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, são espaços de resistência física e cultural, que formam comunidades com interesses e valores comuns, abrange não somente a ocupação efetiva, mas, também, "o universo de características culturais, ideológicas e axiológicas dessas comunidades em que os remanescentes dos quilombos (no sentido lato) se reproduziram e se apresentam modernamente como titulares das prerrogativas que a Constituição lhes garante”.

(André Viana da Cruz)

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